sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Equilíbrio delicado


Por Kátia Mello

São Paulo, 16/08/2010 - O Brasil é hoje o quarto maior fabricante de motocicletas do mundo – atrás apenas da Índia, Indonésia e China, respectivamente – com vendas anuais crescentes desde os anos 1990. Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o País tem atualmente 12,8 milhões de motos circulando (levantamento feito em abril desse ano), contra as 3,5 milhões que rodavam em 2000. E, multiplicando as motos, multiplicam-se os acidentes: o Instituto de Segurança no Trânsito (IST) aponta 10 mil mortos e 500 mil feridos em acidentes de moto todos os anos no País, o que resulta em uma média de 27 mortes diárias sobre duas rodas.

“A principal razão pelo crescimento nas vendas é que as pessoas estão substituindo o carro ou o transporte coletivo pela moto, principalmente pelo alto valor e ineficiência do transporte público.

Além disso, novas marcas entraram no mercado nos últimos anos, oferecendo modelos com preços convidativos. A prestação acaba saindo mais barata do que o que se gasta por mês com passagens. E a partir disso se tem um pequeno veículo que oferece deslocamento rápido e serve para lazer e turismo”, afirma Lucas Pimentel, presidente da Associação Brasileira de Motociclistas (Abram).

De fato, a parcela de uma moto gira em torno dos R$ 100 e um passageiro que mora em São Paulo gasta – supondo que ele tenha de pegar apenas um ônibus para ir e um para voltar para casa – R$ 108 por mês em passagens.

Observando o intenso aumento no número de motoqueiros entre seus pacientes, o médico ortopedista Marcelo Rosa Rezende, que trabalha na ortopedia do pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo, decidiu estudar o perfil dos acidentados entre maio e novembro do ano passado.

“Há 15 anos, acidente de moto era exceção, hoje é regra. E os traumas são muito complexos: 54% deles são fraturas expostas que necessitam de cirurgia e, consequentemente, internação.

O gasto gerado é gigantesco. Os 84 pacientes pesquisados custaram R$ 3 milhões para os cofres públicos”, calcula.

Para o médico, acidentes de moto já devem ser vistos como epidemia e pedem mobilização das autoridades, da sociedade e dos fabricantes.

Desses 84 acidentados, apenas 15 tinham retornado ao trabalho seis meses após o acidente. Entre os que ainda enfrentam as sequelas está Aline Santos de Souza, de 20 anos. Aline estava na garupa da moto do namorado quando foram fechados e derrubados por um caminhão, que passou por cima da perna direita dela.

“Tive fratura exposta no fêmur e trauma no joelho. Passei 2 meses internada, sofri 11 cirurgias e agora, um ano depois, vou à fisioterapia três vezes por semana. Na época do acidente, descobriram que eu estava grávida, mas devido às anestesias que tive que tomar para as operações acabei perdendo o bebê.

Hoje em dia, não subo em uma moto nem que me paguem”, desabafa a moça, que trabalhava como subgerente em uma loja de roupas e agora está desempregada.

“O acidente gera danos para o acidentado, para seus familiares e para a sociedade. Além de despesas financeiras para tratamento e reabilitação, podem haver mudanças drásticas na passagem de uma vida ativa para uma condição de dependência”, relata Kátia Campos Anjos, assistente social do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC.O vendedor Flávio Martins Miranda, de 36 anos, sentiu na pele – e nas pernas – o que Kátia quer dizer. “Sofri um acidente de moto no final de 2006, na estrada. Estava andando muito rápido, nem me lembro a velocidade.

Um caminhão entrou na pista por um rotatória e não respeitou a parada obrigatória. Entrei nele”, conta.

Passei quatro meses numa cama de hospital operando a bacia, o fêmur das duas pernas, os tornozelos, a mão. Depois, foram mais nove meses na cadeira de rodas.

Minha esposa teve que segurar as finanças, meu irmão me ajudou muito. Sem eles, acho que eu teria morrido de fome”, relata.

A pesquisa realizada pelo HC apontou, também, que 67% dos acidentados usam a moto como meio de transporte, e não para trabalhar, como é o caso dos motoboys e mototaxistas. O radialista Eduardo Parez, de 38 anos, vai ao trabalho de moto todos os dias. “Parece não existir bom senso no trânsito, nem por parte dos motoristas nem dos motoqueiros.

Os motoqueiros deveriam ter consciência de que carros são feitos de aço e vidro e que essa arma, a 70 quilometros por hora, pode te matar. Já os motoristas, muitas vezes não respeitam os corredores de moto, que são poucos na cidade”, diz.

Ele nunca se acidentou, mas luta pela sua sobrevivência todos os dias. “Eu sei que é perigoso, mas sou consciente, uso equipamento de segurança, transito com faróis acesos, sinalizo todos os meus movimentos e, o principal, nunca ultrapasso pela direita”, ensina.

Segundo dados do Denatran, em cerca de 45% das cidades brasileiras o número de motos circulando já supera o de carros. E para evitar que o número de acidentes aumente, é necessário investimento em educação e em leis que protejam o motociclista.

“O Contran (Conselho Nacional de Trânsito)determinou a obrigatoriedade do curso de capacitação para mototaxistas e motofretistas (nome oficial dos motoboys) e as estatísticas mostram que esses motoqueiros, profissionais experientes, se envolvem menos em acidentes”, defende o médico ortopedista Sérgio Franco, diretor das Campanhas Comunitárias da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).

Para Lucas Pimentel, da Abram, “é preciso investir seriamente em educação para o trânsito, materiais de orientação sobre legislação, pilotagem segura, direção defensiva, manutenção preventiva, e acima de tudo cidadania”.

Fonte: Publicado na Folha Universal

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